Não raro, o advogado se depara com problemas que, em tese, até seriam passíveis de solução, mas que no imaginário social assumem uma enorme dimensão, especialmente numa época em que o “professor Google” ensina e aconselha a sociedade em geral sobre tudo. Em momento anterior, já postei um pequeno artigo discorrendo sobre a usucapião, ou seja, sobre um instituto jurídico que possibilita ao cidadão, adquirir a propriedade de um bem que até então só se detinha a posse.
Vale ser lembrado que posse é um fato social, ou seja, o cidadão tem o bem como seu e a propriedade é a materialização desse “ter como seu”. O exemplo clássico é o imóvel. Ser posseiro é usar e usufruir o bem que sabe não ser legalmente seu. Ser proprietário é poder provar contra terceiros que é o dono real do imóvel. Há algum tempo fui consultado sobre o seguinte problema:
Um casal conhecido de amigo comum, fugindo da seca que ocorreu no Rio Grande do Norte em 1970 que, nessa época, inclusive, a imprensa noticiava onda de saques e o desespero da população, acabou desembarcando no DF. O casal, ainda muito jovem, conseguiu uma passagem num “pau de arara” com destino a Brasília, que há época, era a “meca” dos empregos e das oportunidades, especialmente na construção civil. Chegando a Brasília, sem recursos, o casal acabou nas ruas de Taguatinga e sem ter para onde ir, se abrigou numa casinha feita em placas de “pré-moldadas” que estava abandonada, bem na periferia de Taguatinga, na então denominada “ZA-H”.
Como a vida não para, o marido conseguiu emprego, vieram filhos, e nunca ninguém os incomodou por estarem ocupando um bem que não lhes pertencia. A cidade cresceu, o que era um local afastado acabou se tornando uma região economicamente disputada, a casinha se transformou numa confortável residência e as contas de IPTU, energia, água e esgoto foram sendo pagas pelo casal ao longo dos anos. Em 1988, com o advento da Constituição cidadã, o casal procurou saber se poderia obter a propriedade do imóvel, já que o artigo 183 da Carta assim o afirmava. Na época, lhes foi dito que não, pois a norma constitucional limitava a possibilidade da usucapião em área de até 250m2 e o lote que ocupam tem 360m2. Resolveram então ficarem quietos, pois sempre guardaram em suas almas o receio de que, um dia, o dono do lote aparecesse e lhes tomasse o bem.
Na época em que fui consultado (lá pelos idos de 2005), argumentei que o casal poderia sim obter a propriedade do bem com base no artigo 1.242 do Código Civil, na medida em que preenchiam os pressupostos impostos pela lei pois já ocupavam o bem há mais de 10 anos sem qualquer contraposição, ou seja, sem que o proprietário original o buscasse. Aconselhei que se munissem de todas as provas, tais como comprovantes de pagamento das contas de água, luz, IPTU e as referentes a construção e reforma da casa e buscassem regularizar a situação.
Se hoje eu fosse consultado sobre o mesmo problema, eu já complementaria a informação pois, atualmente, para a obtenção da regularização da propriedade, devido ao lapso de tempo decorrido e as leis atuais, sequer seria necessário recorrer ao Judiciário, na medida em que o parágrafo II do art. 216-A da Lei de Registros Públicos, inserido pelo artigo 1071 do Código de Processo Civil permite que tal procedimento se processasse diretamente em um Cartório de Registro de Imóveis. Não sei informar se o mencionado casal chegou a seguir a orientação, pois perdi o contato com o amigo comum. Todavia, dialogando com um colega que trabalha em outro Estado, chegamos à conclusão de que tal situação não é incomum, principalmente em locais mais afastados.
Em resumo, é certo que o “Google” traz muita informação, mas também é correto afirmar que esse excesso de informação acaba por gerar mais confusão que esclarecimento. Procurar um profissional e se aconselhar seria sempre o correto, embora não se possa deixar de admitir que o brasileiro, de uma forma geral, tem no seu “DNA” a mania de se “automedicar”, o que quase sempre não alcança os resultados esperados.
É mito corrente que consultar um advogado é um procedimento caro e nem sempre ao alcance da população. Posso até concordar com isso, já que um advogado é um estudante que nunca deixa os bancos escolares. Todavia, ao final, também não poderia de deixar pautar que muitos colegas sequer cobram pelas consultas e ainda há a possibilidade de recorrer aos Núcleos de Prática Jurídica das Universidades/Faculdades de Direito, bem como a sempre atuante Defensoria Pública.
Feitas essas considerações, ao final, o que resta, é tentar conscientizar a todos que os “problemas”, via de regra, não se resolvem sozinhos e que é sempre bom procurar ajuda de profissionais capacitados para avaliação de cada situação.
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