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  • Fernando Polonia

DESMISTIFICANDO A USUCAPIÃO PLURIMA

Já postei alguns textos tratando desse instituto legal que permite àquele que ocupa (e/ou usa como seu) um bem, regularizar a situação do mesmo e legalizá-lo e, embora o instituto da usucapião seja aplicável a bens móveis e imóveis, certamente é mais comum se dá em relação a imóveis.


Vale ser observado que o instituto da usucapião não busca premiar “invasores”; “grileiros”, “ocupações de má-fé”, “simples aproveitadores”, etc., pois tal instituto tem por base a função social do bem, a boa-fé e o animus domini, ou seja, a vontade de possuir o bem como se dono fosse, impondo regras e requisitos.


Sob outro aspecto tem-se que se o verdadeiro dono não tem interesse no bem e o abandona, não há porque a norma legal não proteger aquele que o está possuindo e cuidando. Tal interpretação não privilégio especialmente previsto da legislação brasileira, na medida em que a usucapião já era uma forma de aquisição da propriedade de um bem desde a Roma antiga e constava da Lei das XII Taboas.


Inicialmente, vale se pontuar que não é possível a qualquer cidadão, mesmo que ocupe (e/ou use e o tenha como seu), pretender (e/ou buscar) a regularização de um bem pertencente ao Estado, ou seja, o coloquialmente chamado “bem público”, na medida em que tal vedação tem fundamento na própria constituição brasileira, conforme é fácil se depreender pelo disposto no §. 3º do art. 183 e no § único do artº. 193. É uma norma que não permite qualquer interpretação diversa.


Tais disposições constitucionais assumem total relevância, tanto que a regra é repetida no art. 102 do código civil. Assim, antes de se pensar em regularizar uma ocupação, o primeiro passo é sempre estabelecer se o bem é (ou tem sua origem) como bem público, ou seja, pertence ao Estado. Assim, em resumo, o bem publico não pode ser atribuído somente a uma (e/ou a um pequeno grupo) pessoa, pois pertence a todos os brasileiros.


Embora se deva ter em mente que o principal e primário objetivo do instituto da usucapião, é tentar atender ao basilar preceito constitucional de que é dever do Estado adotar políticas de regularização do espaço urbano nos Municípios, tem-se também que a diretriz primeira da Constituição em vigor é viabilizar a paz social e concretizar o direito fundamental à moradia, equilibrando a função social da propriedade, conforme reza o art. 182 da Constituição da República Federativa do Brasil.


Feitas essas primeiras observações, é fato corrente que as correntes migratórias internas (e até externas, a exemplo recente dos venezuelanos) terminam por se aglomerarem nas periferias das cidades, seja essa corrente oriunda do campo e/ou de migrações e, na maioria das vezes, se compõem de um grande número de pessoas que não possuem, muitas das vezes, até meios financeiros para suprir a própria sobrevivência e terminam por ocupar áreas sem uso, aparentemente abandonadas.


Tal situação social se constitui, infelizmente, num fato corriqueiro e que a mídia não se cansa de chamar a atenção. São construções precárias que nascem da noite para o dia que, em virtude da omissão do Poder Publico e até do próprio dono da área, vão se estabelecendo como uma comunidade organizada, fincando raízes e passando a fazer parte do mosaico social daquele local e fazendo parte de um município.


Todavia, nesse aspecto necessário se faz excluir grupos de pessoas que ocupam áreas apenas com o intuito de ganharem dinheiro fácil cabendo, portanto, ao Poder Público, quando analisar a questão, separar os “grileiros e aproveitadores” dos “necessitados”.


Diante dos fatos, muitas das vezes, devido ao número de ocupantes ali estabelecidos, não é incomum que cada posse acabe por ocupar menos de 250m2, não permitindo, portanto, a aplicação do instituto da usucapião especial urbana de forma individual para cada ocupante (já ventilada em outro artigo). Todavia, com o advento do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001), se instituiu a usucapião urbana coletiva e/ou usucapião plurima.


Assim, como o disposto na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto das Cidades) tem por objetivo atender a população de baixa renda, estabelecendo que - “as áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda para sua moradia por, pelo menos cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.


Vale ser observado que o Estatuto das Cidades atribuía a competência para aplicar a norma legal somente ao Poder Judiciário. Todavia, com a onda da desjudicialização que vem ganhando força no “pós-pandemia”, atualmente o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis também possui poderes para declarar a aquisição da propriedade coletiva pela Usucapião, poder esse que decorre da inserção do art. 216-A na Lei de Registros Públicos e por força de disposição constante da Lei Federal nº 13.465/17, que institui a Regularização Fundiária Urbana (REURB).


Adiante, reconhecido os direitos dos ocupantes, atendidas as exigências da Lei, seja pelo Judiciário, seja extrajudicialmente no Cartório, passará a existir uma “Sentença de Usucapião Coletiva”, onde se constituíra um condomínio especial indivisível, não passível de extinção, salvo decisão favorável (em assembleia condominial) tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos.


Sob outro aspecto, determina a norma legal que as deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes, ou seja, concedida a sentença que reconhece a ocupação como legal, forma-se um condomínio, (figura que será objeto de um texto futuro).


Como se verifica em resumo, a regularização de áreas ocupadas pela aplicação do instituto da usucapião urbana coletiva e/ou usucapião plurima, termina por constituir, de fato, um condomínio que possui vantagens e desvantagens, mas que, certamente, vem de encontro à função social da propriedade e tenta resolver uma questão mais que crônica e sempre presente no cenário brasileiro, que é a falta de moraria para pessoas (e/ou famílias) de renda muito baixa, retirando-as das ruas e lhes concedendo um mínimo de dignidade e perspectiva de futuro.


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