Cerca de três décadas atrás, embora já existisse um movimento no sentido de diminuir o grande número de processos que a cada minuto chegam ao Judiciário Brasileiro, as academias formavam juristas apenas com a visão do litígio, de a única solução possível para terminar uma demanda se estabeleceria na palavra final de um Juiz.
Embora a solução negociada sempre estivesse presente, estava presente na mentalidade da população brasileira que negociar seria ceder e perder, pelo menos em grande parte, o objeto da disputa.
Se, por um lado não se pode negar que o Judiciário Brasileiro sempre manteve a chamada “audiência de conciliação”, também não se pode negar que tal audiência dificilmente obtinha resultado prático. Na minha visão, em razão de três principais vertentes. Uma seria a total falta de tradição da população no sentido de conciliar, até porque quando alguém buscava assistência jurídica o fazia, quase sempre, não com o sentido de obter um bem que entendia seu, mas na grande maioria das vezes apenas com o espírito de represália.
A segunda vertente pode ser atribuída a nós, juristas. Não fomos preparados para conciliar e sim para litigar. A regra era, na época, não se envolver e nem tentar mostrar para quem o procurava que conciliar seria um caminho válido e que deveria ser tentado entes de tudo.
A terceira vertente pode ser atribuída ao próprio Judiciário que não procurava mostrar as partes as vantagens da conciliação em detrimento do litígio que poderia ser longo, custoso e incerto.
Nesse meio tempo adveio a Lei dos Juizados de Pequenas Causas que, embora não tendo como premissa a “conciliação”, deu ensejo a que fossem formados um grande número de conciliadores. Todavia, talvez por falta de maiores esclarecimentos que fossem levados a população em geral, em nossos escritórios sempre tínhamos que convencer a clientela que esse era um bom caminho, rápido e com custo menor que um litígio tradicional, todavia, sempre havia resistência, acredito que em razão da estreiteza das regras dos JPC´s
Ao longo dessas ultimas três décadas, verdade seja dita, principalmente no âmbito da justiça especializada do trabalho, algumas tentativas foram implementadas. Vale se destacar a diretriz que determinada que antes de uma reclamação trabalhista, antes ser levada perante o Juízo, deveria ser submetida antes as comissões de conciliação dos sindicatos.
Infelizmente, tal diretriz, apesar de válida, não obteve o sucesso desejado. Uma porque as empresas não estavam obrigadas a cumprir a etapa conciliatória e, não raro, a desculpa era sempre o custo cobrado pelo sindicato. A duas porque os trabalhadores não foram devidamente educados e não era incomum se escutar que “aquilo era pura perda de tempo”.
Vale se destacar que a implementação pelo judiciário dos “Centros de Conciliação” foi talvez o grande passo que, juntamente com a adoção de “mutirões”, tem levado a conscientização da população de que conciliar é sempre, ou pelo menos na grande maioria das vezes, melhor que litigar.
A tradição de “litigância” implementada ao longo de muitas décadas na mentalidade do povo brasileiro certamente não mudará em imediato, mas também, por outro lado, tem se notado (e as estatísticas assim o confirmam) que conciliar é um caminho sem volta, até porque o Judiciário Brasileiro chegou ao ponto de exaustão, em razão do enorme número de processos que tramitam pelas diversas instâncias e tribunais e pela absoluta impossibilidade, tanto econômica, como estrutural, de se aumentar no mesmo ritmo a formação dos servidores do judiciário e, também, a sua própria estrutura física.
Apesar da carta constitucional em vigor assentar, de forma muito clara, que o Estado não pode dificultar o acesso do cidadão ao Judiciário, vale destacar que as novas leis promulgadas, principalmente nos últimos dez anos, que disciplinam a “conciliação”, “mediação” e “arbitragem” representam um avanço.
No meu dia a dia, como jurista veterano, por vezes é difícil explicar a certos clientes as vantagens e desvantagens de intentar resolver o conflito mediante a utilização de um desses meios alternativos. A desconfiança sempre está presente e não raro sempre ouço a pergunta – “... mas doutor, o senhor conhece o fulano? ...”. Acredito que agora falta, por parte do Estado e/ou mesmo do próprio Judiciário, uma campanha institucional levando a população o que é a justiça alternativa e suas vantagens.
Paralelamente, sem qualquer sombra de dúvida, as instituições formadoras de juristas necessitam também criar formas e meios de já se sedimentar, desde o início, no cotidiano daqueles que nos sucederão essa mentalidade, trocando o “litigar” pelo “conciliar”.
Tenho ouvido algumas dezenas de palestras patrocinadas pela OAB, CNJ, IDP, etc., no sentido de criar essa capacidade, buscando a que as formas alternativas de resolução de conflitos seja, em regra, a primeira opção e não apenas uma mera possibilidade.
Todavia, vale a crítica que essas palestras são, principalmente, dirigidas a juristas e não a população como um todo. Opinião minha, repito, falta maior ação institucional para levar a população brasileira esse conhecimento, seus benefícios e desvantagens, de forma clara e transparente.
Ao final, cabe também se pontuar que a desjudicialização de vários procedimentos, até então somente obtidos mediante acionamento do Juízo é, no geral, um ganho para o cidadão, inobstante seja comum que as pessoas se surpreendam que este ou aquele procedimento judicial possa ser levando a efeito diretamente em um Cartório.
Nos próximos textos, vou tentar aclarar mais as formas alternativas resolução de conflitos.
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