Nos últimos quatro artigos, discorri sobre a nova visão do Judiciário, e da própria Advocacia, onde o objetivo é, sempre, a paz social e não “o ganhar” a qualquer custo. Tal visão tem levado os nossos legisladores a criarem normas no sentido de prestigiar, e facilitar, os meios compositivos para a resolução de litígios, a tentar evitar que desaguem no Judiciário, toda e qualquer disputa e/ou beligerância social.
É evidente que o Judiciário Trabalhista também acompanha tal tendência, mesmo se for considerado que a conciliação sempre foi um dos nortes nessa justiça especializada.
A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho -, vigente desde 1943, vem recebendo ao longo dessas décadas, constantes atualizações, adequando a norma legal em conformidade com a evolução social mas, pelo menos até o ano de 2.017, a CLT só previa duas possibilidades em uma eventual rescisão do contrato de trabalho, ou seja, demissão por determinação do empregador e/ou por parte do empregado.
Todavia, a partir de 13 de julho de 2017, por força da entrada em vigência da Lei nº. 13.467/2017, uma nova possibilidade de rescisão do contrato de trabalho foi inserida na CLT, ou seja, o termino da relação de trabalho mediante acordo entre patrão em empregado.
Não se pode negar que o fato social que é sempre muito presente na relação de trabalho, facilita o caminho do “acordo”. Mas, não raro, essa possibilidade era utilizada por patrões e empregados como forma de burlar as normas legais e evitar a perda de benefícios devendo. Todavia, vale ser destacado que qualquer tipo acordo ajustado fora do previsto legalmente na CLT, na tentativa de demonstrar um vínculo de emprego que não existiu e/ou, ainda, de um meio de desligamento que não ocorreu, para se valer de benefícios era, e continua sendo, um golpe e pode ser caracterizado como estelionato, que é crime tipificado no artº. 171 do Código Penal.
Em tempos não tão distantes, era comum patrão e empregado ajustarem acordo em que demissão se dava “sem justa causa” e o empregado devolvia o valor da multa do FGTS e, por vezes, até o valor do aviso prévio como forma de compensação. Com a entrada em vigor da norma que determina que a multa do FGTS seja depositada, a questão vinha sendo contornada por intermédio de supostos adiantamentos de salários que eram integralmente descontados por ocasião da rescisão do contrato de trabalho, preservando-se os demais benefícios, especialmente o seguro desemprego.
Fui empresário do ramo da construção civil por quase 20 anos e sei bem das dificuldades enfrentadas pelos empreendedores em razão da alta rotatividade da mão de obra em razão das próprias características da atividade. Demitir um colaborador nem sempre é fácil. Todavia, por vezes, não resta alternativa que não seguir esse caminho ante a instável economia brasileira o que terminava pelas partes burlando, de certa forma, as normas estabelecidas pela CLT.
Com a entrada em vigor da Lei nº. 13.467 de 2017, foi acrescido a CLT o artº. 484-A que regulamenta os meios de rescisão do contrato de trabalho, estabelecendo que:
Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I - por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;
II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I- A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego. (destacamos)
Essa nova norma permite as partes possam extinguir o contrato de trabalho mediante acordo mútuo. Acredito que o objetivo do legislador fosse tentar acabar com os “acordos” rescisórios irregulares e facilitar o dia a dia de patrões e empregados. A meu ver a norma não é de todo ruim, até porque o que nela foi estabelecido é, mais ou menos, o que já vem acontecendo há muito anos. Todavia, a minha crítica se estende ao disposto no parágrafo 2º. que implica na perda integral, por parte do empregado, da obtenção da cobertura do seguro desemprego.
Acredito que o legislador, divorciado da realidade social existente no Brasil, se “esqueceu” que nem sempre a rescisão do contrato de trabalho se dá pelo que resta da aparência. Não raro, o trabalhador, premido por dificuldades financeiras ajusta acordo com o patrão para ultrapassar esse momento e, da outra ponta, por muitas vezes, o empregador premido por dificuldades que sabe momentânea, não vê outra saída se não demitir, embora já saiba que, provavelmente, em curto prazo precisará readmitir o mesmo quadro de colaboradores, como vem ocorrendo, de forma bem clara nos últimos dois anos em razão da pandemia.
Acredito que ao Estado cabe ser sensível as essas muitas e endêmicas crises que são criadas no Brasil e poderia ter tido mais sensibilidade em estabelecer a possibilidade de acordo, mantendo-se a abrangência do inciso I do artº. 484-A em todas as verbas, inclusive no que tange ao Seguro Desemprego ou, pelo menos, também aplicar a redução pela metade a esse benefício.
No dia a dia, o que tenho pressentido, é que o artº. 484-A da CLT, que poderia ser uma solução para legalizar um fato social presente poderá se transforma apenas numa “norma legal natimorta”, já que os destinatários da norma nela não acreditam e preferem continuar com os “acordos” irregulares.
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